Gosto muito de escrever mas… eu sinto medo!
— Paranoia, Raul Seixas
Começo a previsão de hoje aos 45 do segundo tempo do mês e citando Raulzito para explicar o motivo de nem ter previsto maio, e tardado junho. Também vou me atrever a citar
e o mapa do Solstício de Inverno como corroborantes.Tudo começou com a tiragem de maio, que rendeu um rascunho apavorado, mas que um dia virará alguma coisa. Deu: Morte — Lua — Mundo // Fundo do deck: Sol — que revertério! Comentei no reel alguma coisa de pessoas trabalhando cansadas e por necessidade, levantando às quatro da manhã para pegar ônibus, trens lotados. Não disse mais nada porque Morte, Lua e Mundo (arcano 21 que é lindo, mas é o fim, ou seja, muita carta de fim) de deram um desgosto dum porvir que eu até pensei, mas não imaginava.
Bom, à parte das questões pessoais, aconteceram, por exemplo, a tragédia no Rio Grande do Sul (ou já estava acontecendo à época, não me lembro, desculpem), que pode ser vista em Morte, Lua (muita, mas muita água mesmo, falta de estrutura, pois pântano e alagamento, animais uivando, urrando, relinchando desesperados!!!), Mundo (ajuda externa, mutirões, vaquinhas, pix, cobertura televisiva internacional, etc.) com um fundo de Sol querendo dizer que ele há de brilhar mais uma vez — mas só depois do revertério.
Nas questões pessoais, além das famosas desilusões, houve morte de mãe de amigo e morte de prima, fui ao cemitério, me senti mal. Viajei. Vivi Sol e Lua de maneira tão equânime que não sei se Maio foi bom, ruim, ambos.
Mas o Sol brilhou mais uma vez e trouxe junho. E o que temos — tivemos — em junho?
Julgamento — Amantes — Temperança // Fundo do deck: Justiça
Aprendi a usar o fundo do deck com Linoca de
, e gosto para que seja o cenário, o background, o piso e o chão da jogada. Quase como que um contrarregra, uma “antíscia tarológica”. Pois bem. Dito isto, temos não apenas um Julgamento, como a sentenciadora. Não há quem fique sem seu quinhão até o fim do mês. Não vai ficar pedra sobre pedra (adoro esse termo, me lembra Maria Altiva Pedreira de Mendonça e Albuquerque).Quando fiz o reel lembrei-me de Ícaro, mito que estudo e vivo desde 2019. Só os deuses podem saber a causa, motivo, razão e circunstância de eu me deparar com este personagem de tantas formas possíveis, como Bill Murray se depara com o Feitiço do Tempo. Mas aceito o Destino, como uma personagem narrada por
, pois, se me colocam para mirar o abismo, já me jogo nele; se me cai a Torre de Babel na cabeça, bora lá, me dê uma marreta que ajudo a marretar as paredes destas masmorras.Ícaro era filho de Dédalo, um mestre artesão. Ambos foram responsáveis pela construção do Labirinto do Minotauro na Ilha de Creta a pedido do Rei Minos, mas foram acusados pelo mesmo de terem facilitado a escapatória de Teseu (ajudado na verdade por Ariadne). A sentença? Aprisionamento. Engenhoso, Dédalo criou asas com o que tinha em seu alcance — entre outras coisas, penas e cera de abelha —, e recomendou ao filho que fosse moderado no voo para conseguirem chegar em terra firme, atravessando o mar. O garoto, deslumbrado, foi o oposto de moderado: voou perto demais do Sol (Hélio), a cera derreteu, ele caiu e morreu afogado.
And no one calls us to move on
And no one forces down our eyes
No one speaks and no one tries
No one flies around the sun
— Echoes, Pink Floyd
O que se tira desse mito, bem sucintamente, é o deslumbre de Ícaro que ocasiona sua própria morte. Numa das leituras rápidas vi falar de complacência versus arrogância, que cabe perfeitamente neste texto: um Ícaro sem ambição, voando baixo demais, apenas daria voo rasante com a barriga beijando o mar, e não teria propulsão suficiente para flutuar. Um Ícaro que voasse alto demais, teria a testa beijando o Sol, se torraria, e do mesmo modo não alcançaria a solidez da matéria e o sonho de estar lá do outro lado.
É muito fácil ver em qualquer filme o mesmo enredo: um personagem de vida difícil que, por sorte, oportunidade ou merecimento, alcança o que quer. Começa a surfar na onda, vai para o topo das paradas… mas alguém lhe diz “cuidado, você não era assim, não te conheço mais!” e rompe com o dito. Alguma desgraça acontece que ele cai em si (se não for um filme trágico ou biográfico), pede desculpas, decide por não continuar a surfar naquela onda — até porque já foi derrubado por ela e engoliu muito sal — e vai viver uma vida simples. Acho que acontece parte disso em Quebrando a Banca, qualquer biografia de rock (como a do Queen e do Mötley Crüe), Requiem for a Dream, etc. Já comparei, inclusive, Ícaro e Dédalo a Andrew e Terence de Whiplash:
E onde eu vi Ícaro em Julgamento, Amantes e Temperança?
Oras.
Amantes é uma carta que, depois de falar de Amor, fala de escolhas. Mas há quem queira escolher tudo. Que experimenta, beberica de vários copos, e no fim não possui taça nenhuma. Nenhuma canequinha preferida, particular, nenhum aconchego, familiaridade, segurança. Quando nos empolgamos, costumamos nos distrair e querer agarrar tudo com as mãos. Pode parecer alegria no começo, mas sempre há um momento que percebe-se que na verdade era vício: gula, luxúria, avareza… Então vi nos amantes aquela pessoa que tudo quer e nada leva. Lembrei agora do filme do Libertino, mas como assisti há uns quinze anos, nem vou me aprofundar.
Man was born to love
Though often he has sought
Like Icarus, to fly too high.
And far too lonely than he ought
To kiss the sum of east and west
And hold the world at his behest
To hold the terrible power
To whom only gods are blessed
But me, I am just a man
Acima e ao lado desses mesmos Amantes — veja o rapaz confuso, com a roupa bicolor, ou seja, de intenções dúbias, um verdadeiro Leleu Antonio da Anunciação — há duas virtudes cardeais: Justiça, Temperança. As opositoras da injustiça e do destempero. Ambas falam de medida: uma possui a espada mais a balança e outra os jarros, utensílios que utilizamos, por exemplo, numa venda para entregar ao cliente os quilos pedidos a trocar por dinheiro, ou numa receita, para não fermentar demais ou de menos o bolo. Se uma é seca na quantidade, na partilha, a outra é úmida na qualidade, na comunhão. E nesses dois casos há que haver balança e balanço. Lembra? Complacência e indiferença. Quantas vezes não doamos demais em situações que devolvem de menos… ou nem devolvem? Ou, recebemos demais e não retribuímos como se merece…
Pois esse mês me pareceu clamar — com as trombetas e os quatro cavaleiros do apocalipse a postos no Juízo Final — por retornar ao essencial. É na essência que se encontra o centro. Nem acima, nem abaixo. Nem passado, nem futuro. Mas meio, caminho, presença, sem distrações, sem despropósito. Só assim, limpando os exageros, a embriaguez, as ilusões, a frivolidade, é possível se lembrar do objetivo, do Destino, e, portanto, do caminho que deve ser feito.
Uma maneira de se despir dos excessos é dar ouvidos a Saturno, dar uma de Capricórnio: o ar rarefeito, a cabra que escala montanhas1. Assim, no duro. O que há para se fazer? Pois que se faça. Nem lá, nem cá. Precisão. Pontaria. Ponteiros do relógio, repetição da areia que cai na ampulheta e é virada para cair novamente. Sísifo. Hábito.
O aqui e agora são mais importantes. E, infelizmente, bastante desgastantes, inclusive a nível físico. Um lado potencialmente positivo disso tudo é a diminuição de expectativas altas demais. Um tipo de “desistência” saudável, eu diria. Fazer pouco, fazer o que é prioridade, se ater ao tempo presente. Também, o direito e a valorização do ócio — afinal, é tanta coisa pra lidar e resolver que, quando qualquer fresta de tempo surge, acaba sendo instintivo aproveitá-la e senti-la com presença e satisfação. Nem que seja fazendo nada.
— , edição #106
Quando ia comentar de hábito, minha voz invisível das etimologias sussurrou habitar. E o que é habitar se não estar presente? Morar? Hábito, é portanto, a morada do Tempo Presente. Uau. Tive uma Eureka agora, hein. O hábito, o uniforme, a disciplina. Parecem termos carolas de monastérios e colégios, não é? Mas falta isso no mundo de hoje. Não a carolice, mas a organização das tarefas no Tempo, a repetição e aperfeiçoamento das mesmas. A constância. Quem é o bom músico que não ensaia horas e horas por dia, por dias, para só depois apresentar-se num show? Como era a sua caligrafia na primeira palavra que você escreveu na vida, como é sua caligrafia hoje? Como foi sua primeira hora dirigindo no trânsito de uma metrópole, como foi seu último cair na estrada, com anos de carteira de motorista nas costas? Hábito. Pode ser desconfortável, mas é amplamente necessário. A Memória é um hábito: o hábito de reviver cenas passadas, e costurá-las, uma a uma, numa colcha de lembranças que nos traz aqui, agora. Como sei meu nome? Por hábito. Habita em mim uma palavra desde que nasci. Provavelmente uma das primeiras coisas que escrevi, mesmo que por repetição, mesmo que antes de aprender a ler. Helen. Helios. O hábito de sermos nós até dormindo, e acordarmos sendo a gente, só que diferente.
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SCIRE, DEI MVNVS, DIVINVM EST NOSCERE VELLE, SED FAS LIMITIBVS SE TENVISSE. / DVM SIBI QVISQUE SAPIT, NEC IVSTI EXAMINA CERNIT, ICARVS ICARYS NOMINA DONAT AQUIS.
It is something divine to want to acquire knowledge, the gift of God, but man must keep to his limits. As long as everyone has his own wisdom and does not keep the right measure in mind, Icarus gives his name to the Icarian Sea.
— National Gallery (Latin translation from Huigen Leeflang and Ger Luijten)
É algo divino querer obter conhecimento, dom de Deus, mas o homem deve se ater aos próprios limites. Enquanto cada um tiver sua própria sabedoria e não manter a medida certa em mente, Ícaro dá seu nome ao Mar Icário.2
And Icarus, nearby, the laborer’s son,
stood grinning and playing and thinking it fun
to poke at the wax or the feathers to groom
not knowing that these were the cause of his doom.— Metamorfoses de Ovídio (trad. C.A. Adderley)
Tarefa
(do árabe vulgar tarīha — 'quantidade de trabalho que se impõe a alguém'):
Pegue um papel — que tal um caderno do Estúdio São Jerônimo? — e uma caneta, um lápis. Faça um brainstorm, chova ideias. Liste aquilo que é essencial. Elenque. Lembra dos números ordinais? Priorize. Vá fazendo, tarefa por tarefa. Lave a louça, não acumule. Lembrou de aguar as plantas? Então regue-as no momento em que lembrar, não deixe para depois. Etc. Vá fazendo pequenas coisinhas, repetidamente, rotineiramente, assim como o Sol, a Lua, os astros todos repetem suas auroras e crepúsculos. As coisas vão se encaixando, você se aperfeiçoando. É o que resolvi fazer. Menos é muito, mas muito mais.
Ester fez uma série de stories maravilhosa chamada Organização e a disponibilizou nos destaques do Templo da Vênus. Ela é uma organizadora nata! Aconselho a vê-la e voltar aqui para a tarefa acima.
Algorab corvus no YouTube
Gostei tanto da legenda do reel que fiz, que decidi gravar minha narração num vídeo para o youtube, e assim nasceu um canal onde pretendo fazer versões faladas de previsões mensais, e shorts diários (em dias úteis, já que é inútil receber conselhos nos dias inúteis, pois precisamos do ócio) com conselhos de diversos oráculos que estudo e tenho em mãos.
Separei, por enquanto, os oráculos conselheiros por dias da semana nesta ordem:
Segunda: Cartas do Caminho Sagrado
Terça: Jogo da Esperança (Lenormand / Baralho Cigano)
Quarta: Runas
Quinta: Cartas Xamânicas
Sexta: Tarot
Já que falei de mitologia grega e da virtude da Justiça (regida por Júpiter, na astrologia), quero convidar você, que está me lendo agora, a estudar com o maior tradutor de grego deste país: o queridíssimo Jaa Torrano, que traduziu Teogonia — que leio e releio em voz alta nos meus ritos, chorando alucinadamente. O Instituto Candelaio foi criado por meu ex-orientador e amigos, todos compententíssimos professores ♥
Tragédia Grega: Sófocles e a noção mítica de Justiça
Quem se inscrever, terá desconto de 40% nas obras de Sófocles traduzidas por Jaa e Beatriz de Paoli e publicadas pela Ateliê Editorial, e estudadas por ele em cada aula. Quem quiser ler e não fazer o curso, aqui estão as obras (mas sem o desconto aplicado por Candelaio):
Leia mais sobre Dédalo e Ícaro na arte:
Painting of the Week: Pieter Bruegel the Elder, Landscape with the Fall of Icarus
Agenda aberta para leituras de tarot com conselho de outros oráculos.
Eu amei que o vídeo de cabras escolhido tem como trilha sonora It Must Have Been Love — O Amante que não escolheu corretamente a Virtude pode perder mesmo!
Se tiver uma tradução melhor (por favor, tenha), comente ou me mande um e-mail que atualizarei o texto!
Como sempre, lendo sua news, tomando meu cafezinho. E é uma delícia te ler. É uma delícia te seu ponto de vista na vida. Só agora, tbm nos 45s do segundo tempo, que percebi que a leitura de Junho foi literal por aqui tbm de tantas formas. E que eu possa morar na morada do tempo mais vezes. Sempre um prazer te ler 📖 e eu vou fazer a tarefa citada. Pois é o que tem funcionado por aqui tbm. 💕
Icaro, heroi incompreendido, beijou o sol e caiu nos braços do mar <3 aaaaaa amei a news